sexta-feira, 12 de abril de 2013

Memórias de um amor consumado







Olhe, veja o que sobrou de mim. Não, não lamente por isso, não suportarei mais essa dor, se uma lágrima sua cair, seria como um sopro final. Só me assista pelo vidro, não segure minha mão, não quero que as sinta frias, quero que se lembre de mim como aquela garota que se perfumava e saia de casa ansiosa pra te ver, meu corpo quente no seu, e se enrolava em teus braços, aquela que cantava suas músicas prediletas, que fazia palhaçadas sem sentido só pra te fazer dar a risada mais gostosa de ouvir, que te abraçou forte e te disse palavras de conforto quando você perdeu seus pais naquele acidente de carro há 11 anos. A garota que torceu pra você passar no vestibular, e te disse pra não desistir caso perdesse na prova. Mas você não perdeu, passou até em primeiro lugar, e teu sorriso naquele dia foi minha recompensa, e o beijo que me deu quando chegou a casa dando a notícia, foram um dos melhores que já tinha me dado.
Lembra amor, daquele dia em que você segurou-me pelos braços e me ensinou a patinar na pista de gelo? Eu levei um tombo e trouxe você comigo até o chão e ali rolamos a dar risada. Ah, teve aquela noite de chuva forte que eu fiquei com medo dos trovões altos e você abriu a porta do quarto devagarzinho no escuro só pra me assustar, e eu que nem uma boba achando que fosse assombração enquanto você se divertia com minha cara de medrosa.
Sabe aquele dia que escondi a chave do carro? Foi medo de você sair de casa e acontecer algo de ruim na estrada, afinal, fazia muita neblina e as notícias na TV não eram nada boas, sabia que você era teimoso e não levava muito a sério essas coisas. Eu sempre tive medo de te perder, de por algum incidente você partir pra outro mundo, e agora veja que ironia, é você que me perde, nós nos perdemos meu amor. Não está sendo fácil pra mim te ver e saber que essa é a tua última aparição perante os meus olhos, quero que saiba que mesmo em outro lugar, todas as noites ao deitar-se, eu sempre estarei sentada na cabeceira da sua cama vigiando teu sono e protegendo os teus sonhos, afastando os pesadelos.
É cada vez menos visível a tua imagem agora, meus olhos estão turvos sei lá, nunca senti isso antes... Mas não se preocupe, não fique nervoso, tem alguém aqui do meu lado, está todo vestido de branco, deve ser algum médico novato, você não está vendo?
Amor vai ficar tudo bem! Conheço sua força, até mais do que você próprio, eu que o diga hein? Lembrei daquela viagem que fizemos para a fazenda dos seus parentes e tinha um tronco de uma árvore enorme caído na estrada e você foi lá, sozinho, e removeu pra poder passar com o carro enquanto eu lixava cuidadosamente as minhas unhas que haviam sido quebradas apenas por que eu quis dar uma de espertinha e tentei consertar o lustre da sala sem a sua ajuda e me desequilibrei da cadeira bem na hora em que você ia chegando do trabalho cansado e deu tempo de você me aparar com firmeza evitando um machucado. Nem tinha feito o almoço ainda e você disse que tava tudo bem, que ia pedir uma pizza, então fizemos uma limonada, seu refresco favorito, e você terminou o conserto enquanto eu dava as ordens.
E quando foi mais a noite, te achei meio abatido, te dei um banho morno e te levei direto pra cama, logo pegou no sono e eu fiquei ali por horas, te olhando, der repente comecei a me lembrar do nosso primeiro encontro, éramos tão tímidos não era mesmo? O pessoal da faculdade percebeu que agente se gostava e resolveram aprontar uma trama com agente, colocando, propositalmente, aqueles livros de matemática na minha mochila, só pra quando você os procurar achá-los comigo e agente discutir no meio do pessoal, enquanto eles gritavam:
- "Beija! Beija!" (risos)
E foi assim, nosso primeiro beijo meio revoltado, mas cheio de paixão, e ai de nós se não fossem esses benditos livros de matemática, por que, acho que não teríamos coragem de chegar um no outro e mandar a real. É nossa vida foi uma espécie de "equação exponencial", tudo muito exato, como se a vida calculasse milimetricamente tudo que acontecera entre nós. Costumavam nos chamar de "casal de idosos", agente se cuidava tanto um do outro que parecíamos dois velhinhos no fim da vida, vendo o resto do tempo passar na varanda de casa. Mas era bonito, mais bonito ainda foi ter ganhado de presente de aniversário de uma semana de namoro, um filhote de coelho branco, você já sabia do que eu gostava em tão poucos dias.
Nossas saídas ao cinema, nossa era impressionante como você sempre cochilava e quase nunca via o final do filme, e me perguntava depois como acabou e eu nem me lembrava direito, quase não prestava atenção, com você ali do meu lado, não tinha como me distrair com muita coisa. Bom mesmo era o refrigerante e a pipoca, que eu aproveitava as sobras pra jogar no pessoal que sentava logo à frente, tava tudo escuro mesmo, ninguém sabia quem era.
As idas a praia, ah, éramos doidos, escolhíamos o dia mais nublado para irmos tomar banho de mar, a praia tava vazia e sem ninguém pra ver nossas maluquices, pois tínhamos a mania de ficar pelados, subíamos nas pedras a deixar que as ondas batessem e nos molhassem pouco a pouco. Sem contar nos castelos que tentávamos construir, que mais parecia uma pirâmide do Egito, pois não tínhamos o menor jeito pra fazer aquelas torres enorme. E depois de "pronto", destruíamos rolando por cima daquele amontoado de areia molhada, e jurávamos ali, perante aquele oceano tão imenso, que nosso amor consumado até o fim dos tempos.
É tanto que hoje estou aqui, te pedindo pra não pegar na minha mão fria, pois só quero que carregue consigo a sensação das minhas mãos quentes, deslizando em cada parte do teu corpo enquanto fazíamos amor loucamente, e que cada recordação que aflorei agora, sirva de consolo quando enfim, verás os meus olhos, que tanto te admiravam, se fecharem para sempre, num sono eterno, onde ninguém poderá acordar.
Mas lembre-se do que havia te dito antes, eu sempre estarei com você, e, como sempre, é só chamar, que eu venho.

 

Milena M.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário